Nem formosa, nem intrépida. Tampouco amazona. Onde a mágica torrente de teu Paraíba? Oh, Campos, por que nos abandonaste?
Não é hora de complacência nem de saudosismos aristocráticos. Eis que, mais uma vez, é chegada a hora de muitos protestos, de muitos gritos de “basta”. Campos perdeu o bonde da história. Não há construção civil, prédios altaneiros, pontes novas, Porto do Açu, universidades sanguessugas (que chegam e se vão), redes potentes de supermercados e concessionárias de carros importados que indiquem algum real índice de crescimento. Não nos verticalizamos como as construções urbanísticas. Continuamos na mais absoluta horizontalidade, na mais cruel das platitudes, sem conseguir vislumbrar horizontes para todos.
No início dos anos 90, um amigo jornalista, carioca de verve ácida, de passagem pela nossa cidade, perguntou-me como é que eu havia voltado para uma cidade que tinha, em um dos pontos mais nobres à época, uma cabeça de boi no portal do restaurante, música ao vivo em todos os bares e nenhum restaurante japonês. Tentei lhe explicar, sem muita credulidade, a dinâmica de uma “cidade do interior”, provinciana, de tradição ruralista. Não colou nem para mim!
Para um olhar citadino e cosmopolita como o dele, foi difícil entender nossas temporalidades até hoje concomitantes: a carroça de burro, a bicicleta, os carros de passeio e as obscenas caminhonetes em nossas pobres ruelas. Sim, ruelas! Ninguém pode dizer que a avenida 28 de março possa sustentar tal designação. É ruela sim! E assassina!
Deixando de lado a provocação de meu amigo, com a qual tacitamente concordei, não podemos ser felizes convivendo com tantas barbáries. De fato, um verniz cosmopolita nos chegou. Hoje, temos restaurantes italianos, japoneses, chineses. Os árabes sempre existiram. Temos muitas lojas de departamentos (Renner, C&A, Leader, Casa e Vídeo, Lojas Americanas etc), franquias, Peugeot, Toyota, Honda, Hyundai, mas e daí? Continuamos órfãos, abandonados e carentes.
Afinal, quem há de não lamentar nossos anacronismos e retrocessos? Vivemos em uma cidade que, tendo perdido sua vocação agropecuária, não soube se realocar na nova ordem mundial. Uma cidade que é refém de uma prefeitura que tiraniza nossos direitos à saúde, à educação e à moradia, que os substitui por práticas assistencialistas. Uma cidade em que o sonho de consumo cidadão é ter um “bico” na prefeitura, não um emprego para o desempenho honrado de uma função social. Uma cidade sem livrarias, com bienais e shows de cifras exorbitantes, uma cidade cujos cinemas só funcionam em shoppings, só exibem filmes dublados e comerciais, em que os diretores das escolas municipais são indicações de políticos. Uma cidade com um imponente teatro – frágil presa de falsas moralidades. Um teatro-palco, não um teatro-instituição. Um teatro que coloca no “bolso” seu irmão menor.
Não me venham com argumentos de ilusórios progressos cidadãos: passagem a um real, bolsas família e escola, farmácia e restaurantes populares etc. Tenho absoluta consciência do quanto tal quadro de benefícios assiste a nossa carente população. Sei bem que, sem fome aplacada e sem saúde cuidada, não há esforços educacionais e culturais que possam vingar. Mas não concordo que seja por uma via clientelista que devamos construir condições de empregabilidade e autonomia de pensamento.
Quando, em minhas idas e vindas semanais, entre Rio e Campos, desde 1987, fui observando da janela do ônibus a cidade que crescia e se erguia, apontando para o céu (“Olha para o céu, Frederico”!), alimentava a expectativa de que esta verticalização, acompanhada da chegada de universidades como a UENF, da expansão de câmpus da UFF, pudesse se somar à trajetória já consolidada de instituições como a Faculdade de Filosofia e de Direito de Campos, hoje pertencentes ao UNIFLU, da Faculdade de Medicina e da antiga Escola Técnica, hoje IFF, e nos oxigenar. Vã expectativa.
Apesar deste crescimento, continuamos a chafurdar em nossos lamaçais. Ah, Campos formosa, em que espelho te miras? Ah, Campos intrépida, por que não acertas o passo de teu galope? Por que temos que nos deparar com atitudes tão empobrecedoras como esta que nos enxovalhou mais uma vez? Não bastassem os escândalos denunciados, em 2008, pelas operações “telhado de vidro”, temos ainda que ser dignos de nota, em cenário nacional, por episódio tão obscurantista e medieval como este do cancelamento da apresentação da peça “Bonitinha, mas ordinária” de Nelson Rodrigues?
Nessas horas, penso na doce advertência de minha mãe quando decidi retornar à planície goitacá: “O que você quer fazer por aqui?”. Anos mais tarde compreendi que não era uma atitude pouco amorosa, ao contrário, era prova do máximo desvelo de quem, campista que não era, nunca entendeu que houvesse uma rua, “a do homem em pé”, pela qual mulher não pudesse passar.
(Analice Martins)