Pode até parecer ranzinza a posição que vou defender aqui, porém quanto mais me aproximo da tecnologia direcionada à educação, menos a acho indispensável para a construção reflexiva do conhecimento. Talvez, por ser uma imigrante digital e pouco dada a grandes mudanças, para quase tudo que é alardeado como avanço, tenho alguma ressalva. Este artigo é uma lista incompleta e falha de exemplos, destinada, talvez, a virar piada entre especialistas.
Que fique claro também que falo de um país com economia pujante, índices melhorados de crescimento, mas ainda com sérias desigualdades sociais e educacionais. Em países como o nosso, a tecnologia pode até mesmo aumentar as distâncias e tornar intransponíveis determinadas fronteiras. Ou seja, o tiro pode sair pela culatra.
Sou do tempo em que os computadores não eram domésticos, muito menos portáteis, um disquete era uma bolacha de plástico de 8 polegadas, as impressoras eram matriciais e tinham rolos de folhas contínuas, e-mails não existiam, não havia educação à distância, nem celulares, e todo este mundo tecnológico que nos parece imprescindível hoje era uma miragem, um filme de ficção científica. Por isso, embora não apocalíptica, não sou uma entusiasta de primeira fila. Tenho mesmo o pé atrás.
Acompanho com atenção as discussões de especialistas sobre modos de leitura em suportes diferenciados, leitura verticalizada ou fragmentária, leitura focada ou simultânea. Por isso, fico muito recompensada quando vejo opiniões como a de Jorge Wagensberg, físico espanhol que criou e dirigiu o Museu de Ciência de Barcelona, e está no Rio de Janeiro para a 23ª conferência do ICOM, o Conselho Internacional de Museus. Para ele, segundo matéria do jornal O Globo, de sábado passado, a tecnologia vem sendo usada de forma “um tanto histérica e fetichizada”, como se estivesse nela a dinamização do que deveria ser contemplado, absorvido e maturado em um museu, até porque, além de caducar, ela pode se esgotar em si mesma. Um museu é onde o que está guardado se prolonga para além de muros e redomas, saindo de sua condição objetal para uma dimensão existencial. Concordo plenamente com a afirmação de Wagensberg: “Um visitante tem que sair do museu com ‘fome’, ou seja, com mais perguntas ao sair do que tinha ao entrar”.
Portanto, a tecnologia na educação, além do inestimável benefício aos portadores de necessidades especiais e da concretude conferida ao abstrato de fórmulas matemáticas, físicas e químicas, tem que sair de sua imobilidade pleonástica. Por que, em alguns ambientes educacionais, ficou absolutamente démodé falar sem a utilização de slides em power point, ainda que este recurso ali esteja apenas para pontuar os tópicos de uma exposição oral, sem nenhum acréscimo substantivo de informação? Há quem, sem slides preparados, nem entre em sala. Logo, há alunos que não querem se predispor a ouvir ou mesmo copiar de próprio punho qualquer informação ou exercício que se coloque sobre as lousas. Quando a imagem e o som são condição sine qua non para argumentação, vá lá, mas quando são mero exibicionismo de recursos, sem promover o conhecimento e a reflexão, que fiquem guardados.
Digo isso, pois acredito que as máquinas carecem da inteligente mediação humana. Sempre digo aos meus alunos que desconfiem dos corretores ortográficos e, sobretudo, sintáticos, pois a intenção e a performatividade de nossos discursos podem extrapolar aquilo que foi programado como regra. Uma máquina ou mesmo um software não pensam por si mesmos, não dão conta da criatividade de nossas falas. São, no entanto, fundamentais para coibir erros de grafia ou displicências de nossas digitações, são uma fonte de consulta às regras sintáticas de concordância, regência, crase ali dispostas. Mas insuficientes. No dia em que houver um programa ou software que possa prever nossas intenções semânticas e dar conta delas, estaremos diante de uma revolução. Por experiência própria, como professora, pouco vejo os alunos usuários do word se dando ao trabalho de um simples comado de revisão. A urgência e a celeridade não consideram as marcações feitas em sublinhados vermelhos ou verdes. Nesse sentido, o uso do editor de texto em nada difere daquele da máquina datilográfica, objeto de saudosismo de alguns poucos.
O e-reader, por exemplo, é uma maquininha que permite o armazenamento de milhares de livros e sua portabilidade. Isso é tão fantástico quanto saber que uma célula invisível a olho nu pode carregar um mundo de informações. Revolucionário, entretanto, seria poder constatar, daqui a alguns anos, que a leitura, processo sensório-cognitivo de descoberta de linguagens e mundos, pudesse corresponder ao quantitativo de armazenamento de uma máquina de módicos 300 gramas. Será que um leitor de livros, com recursos para grifos, destaques, notas, comentários e, às vezes, acesso a internet, produz vontade de ler, aprofundamento de informações e reflexões? Um e-reader com tais recursos é capaz de gerar “a fome” de que fala o físico espanhol? É capaz de construir perguntas, já que a capacidade crítico-reflexiva não está na formulação de respostas e soluções apenas, mas sobretudo na curiosidade, na dúvida e na imaginação?
(Analice Martins)