Lá fora,
uma borra de cores
dilui os contornos
de um céu em fuga.
Cá dentro,
um grito deforma
– também em cores –
o espelho de Narciso.
(Analice Martins – Rio, 20/01/2022)
Lá fora,
uma borra de cores
dilui os contornos
de um céu em fuga.
Cá dentro,
um grito deforma
– também em cores –
o espelho de Narciso.
(Analice Martins – Rio, 20/01/2022)
Horas sem trégua
de um tempo sem fim
em um campo minado
de solidões explosivas
(Analice Martins – 18/05/21)
Quando a areia estancou
na ampulheta da sala
e o domingo
não mais foi véspera
de uma segunda-feira qualquer,
então,
o vento passadiço
anunciou que as horas
se arrastariam longas
e sem direção.
(Analice Martins, 03/05/2020)
Dar ao corpo
o peso etéreo
de uma onda:
seu rumor.
*
Dar ao corpo
o timbre sibilante
de uma brisa:
seu eco.
*
Dar ao corpo
a platitude azul
de um horizonte:
sua teima.
Analice Martins (Grussaí, 23/03/2019)
Nessa tarde úmida,
de céu gris,
pudesse um sino planger
“je ne regrette rien”!
Analice Martins – Grussaí, 16/02/2019
Na geografia sinuosa
das suas curvas,
meu olhar deita
um desejo intenso.
Analice Martins – Rio, 23/01/2019
Porque faço versos sobre acontecimentos,
insisto em fundir sujeito e objeto,
gosto da efusão lírica,
vez ou outra, recupero a infância insepulta
e deixo a memória brincar comigo.
*
Mas também invento,
tento resgatar do limbo
palavras perdidas
e suas faces ocultas.
*
Procuro, então, a chave
e peço permissão para entrar,
como bem me ensinou Drummond.
(Analice Martins)
Para André
– Posso ir?
– Ainda não!
– Já posso? Que silêncio… Dá uma pista.
– Tá frio.
– E agora? Tá quente? Ana, fala alguma coisa! Você tá aí ainda?
– Um, dois, três…
– Não gosto de escuro, eu tropeço, você sabe.
-Tá quente!
– Haha! Achei!!! Te enganei, sua boba, eu não tenho medo.
Analice Martins (Grussaí, 23/12/2018)
O que um livro guarda
nenhuma traça perfura.
*
O oco no papel
não cava um vazio.
*
O que um livro guarda
a água não dissolve.
*
A tinta diluída
não apaga o eco.
*
O que um livro guarda
não se esconde no papel nem na tinta
*
O que um livro guarda
cobre vazios e faz eco.
*
O que um livro guarda
só existe na imaginação.
Analice Martins (Grussaí, 18/03/2018)
A cidade esquadrinhada no mapa
parece estática:
linhas e fronteiras domadas
em legendas ordenadas.
*
A cidade ao rés-do-chão
é labirinto de passos perdidos,
retórica de deambulações
e falas em transe.
*
A cidade que avisto
do alto do arranha-céu
tem uma geometria previsível.
*
Mas a outra que os olhos percorrem
com a sola dos pés
é tabuleiro de xadrez.
Analice Martins – Rio, 26/02/2018