Cronos

                                                   Para Raduan Nassar

 

A rosa branca

colhida em dura disciplina

grita a fúria

de silêncios ancestrais.

 *

O verbo interdito

é carne

de desejos

dilacerados.

*

O fruto pródigo

dita uma pressa

imprópria.

*

A lógica do tempo –

arcaico –

suprime das coisas

sua abundância.

Paga-se com a vida

a fruta que se morde

antes.

(Analice Martins)

 

O longe

Quando há mar à vista,

as velas logo

se eriçam.

 *

É para o longe

que o leme

aponta.

*

E, quando a manhã

intumesce de vermelho

o horizonte,

*

a brisa marinha

faz ecoar

o chamado da sereia.

 

(Analice Martins)

Magia

O traço na página em branco

cava a palavra,

que tomba em gruta

profunda.

*

O eco da palavra escavada

distorce o sentido.

Inventa uma outra

vertigem.

*

A página em branco é caverna

de paredes e ásperas entranhas.

Precisa da teima e da urgência

de quem a percorre.

* 

A sombra do traço entrevisto

ganha a cor do desejo imaginado.

Eis a magia que propicia

a coisa.

 *

A coisa que – sólida –

o desejo inventou,

e o traço riscou

na parede branca e muda.

(Analice Martins)

 

Outros quintais

Não, não quero o quintal da minha infância!

Esse, todos o arrastam

nos olhos, nos gestos,

na cantilena da memória.

*

Por mais doce que seja,

é fruta do outrora.

Amarga vez ou outra,

e os brinquedos se perderam.

*

Quero o azul

do pássaro desconhecido.

Azul pura memória

do que ainda não vi.

 *

Dos mares que não atravessei,

das colinas que não subi,

dos desertos que pressinto,

dos passos que me perderão.

 

(Analice Martins)