As águas de janeiro mais uma vez deixaram às claras e aos escombros problemas graves que carecem de projetos consequentes e imediatos. As construções em áreas de risco, a falta de saneamento, como o lixo não recolhido regularmente há três meses, transformaram chuva em tragédia. Desabamentos em Petrópolis e Angra dos Reis foram reincidentes e parecem fazer o ano não começar. Onde “o novo em cada amanhecer”?
Embora Zeca Pagodinho cante “deixa a vida me levar”, suas ações como Quixote solitário, na lama e no lixo de Xerém, nos trazem um alerta muito mais realista: a vida, individual ou social, é fruto de escolhas. Somos nós que devemos conduzi-la. Para tanto, elegemos representantes municipais, estaduais e federais para que não deixem a vida em “seu estado natural e de reação” nos tragar e carregar como nas correntezas dos rios que se formam depois de horas contínuas de chuva. Mas com frequência esses políticos só nos oferecem botes salva-vidas.
A tristeza desses fatos convertidos em imagens catastróficas nublam nossos desejos e minam nossas crenças em projetos quaisquer. Eduardo Paes assumiu seu segundo mandato como prefeito do Rio de Janeiro anunciando o projeto “Fábrica de Escolas” cuja intenção é construir 277 escolas em quatro anos, associando tal ampliação do espaço físico à do turno integral de sete horas. Essa iniciativa, segundo pronunciamento do próprio prefeito, é parte da meta para alçar o estado à primeira colocação no IDEB (Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico).
Alcançar um lugar de mais destaque no cenário nacional deve ser a consequência de uma meta desenvolvimentista cujo pilar é a educação. Se o entendimento for esse, os meios podem ser até legítimos, desde que não esqueçam experiências pregressas e igualmente nobres, como a dos CIEPs, nem ignorem que “o buraco seja mais embaixo”. Multiplicar espaços físicos e estender turnos não serão ações exequíveis se não forem acompanhadas da contratação professores por concurso e de sua dignificação salarial, incluindo aí plano de cargos e salários.
Enquanto a carreira de magistério, ou seja, a de formação de professores, não for entendida como prioridade nacional por sua função estratégica na melhoria de qualquer índice de desenvolvimento, de pouco adiantará erguer escolas. Professores bem formados e com perspectivas salariais dignas podem colocar de pé construções mais sólidas, podem fazer a fábrica efetivamente funcionar.
O vale-cultura, no valor de cinquenta reais, também prometido para 2013, pela ministra da Cultura Marta Suplicy, para trabalhadores regidos pela CLT e que recebam até cinco salários mínimos, entre os quais deve estar significativa parcela dos professores do país, é parte da certeza de que “o buraco é, realmente, mais embaixo” pelo fato de que o acesso a bens simbólicos e, muitas vezes imateriais, forma o mais valioso dos capitais: o cultural.
Em artigo intitulado “Literatura e cultura: lugares desmarcados e ensino em crise”, a professora da PUC-Rio Eliana Yunes coloca o dedo na ferida ao mostrar, apoiada em pesquisas, que as propostas pedagógicas mais oxigenadas trazidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (1999) precisam de professores com uma formação interdisciplinar e dialógica que inclua o consumo de experiências de leituras literária, teatral, cinematográfica, que, infelizmente, em nosso país, não são oferecidas a preços acessíveis ou mesmo de forma gratuita. Faz muita diferença pagar quase cem reais para assistir a um espetáculo teatral ou módicos seis. Instituições do Terceiro Setor, que conjugam traços da iniciativa privada e pública como SESC e SESI, ou mesmo o Centro Cultural Banco do Brasil mostram que cultura não é luxo. Ao contrário, é pedra inaugural lançada em terreno não tão movediço.
O gigantesco complexo cultural municipal, na zona oeste do Rio de Janeiro, agora batizado de Cidade das Artes, foi reinaugurado na sexta passada com o espetáculo “Rock in Rio – o musical”. As obras levaram mais de dez anos para sua conclusão e ainda há o que fazer. Mais de 560 milhões de reais saíram dos cofres públicos para a construção de uma área com cerca de 90 mil metros quadrados. Para que possa se manter, a Cidade das Artes precisa arrecadar, por ano, mais de 24 milhões de reais. Por isso, ingressos custarão inevitavelmente, como nessa estreia, entre 40 e 160 reais. Quantias que consumiriam integralmente o vale-cultura e que nos fazem pensar que iniciativas menos suntuosas possam trazer soluções mais eficazes para os nossos antigos desafios.
A educação não pode ser um luxo. Nem a vida cidadã pode ser refém de promessas de campanha.
(Analice Martins)