O combate à pobreza é, sem dúvida, a primeira iniciativa para sustentar o direito a uma vida digna. Portanto é preocupação central de qualquer governo que se veja às voltas com os limites da miséria. No Brasil, em âmbito municipal ou mesmo federal, programas se multiplicam para minimizar as sequelas sociais desta questão.
O jornal O GLOBO publicou, no domingo passado, avaliações feitas por consultores do IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) e da UNESCO, num balanço dos dez anos do PT à frente de nossa política nacional no que disse respeito aos programas de justiça e bem estar social.
Os dados são assertivos. Com o programa Bolsa Família, que deu sequência ao Fome Zero, “o Brasil tem menos pobres e está menos desigual”. A emergência das classes C, D e E é um fato perceptível em todos os setores do consumo. Os programas de transferência de renda cumprem uma função emergencial, porém paliativa. A insuficiência de renda não dá conta do conceito de pobreza. Tal constatação aponta para outros desafios e demandas, entre os quais se situa a educação, como afirma Flávio Comim, consultor da UNESCO no Brasil: “O Bolsa Família é como remédio que baixa a febre, mas não cura. O antibiótico contra a pobreza não é a transferência de renda, mas a educação”.
Por mais que possa parecer clicherizada, essa afirmação toca no nosso calcanhar de Aquiles. Mesmo com a elevação da renda familiar e a consequente redução dos contingentes de pobreza, o Brasil não goza de nenhum status emergente em termos de performance educacional, o que obviamente compromete qualquer índice de desenvolvimento e sustentabilidade.
É claro que a educação, por si só, não obraria milagres. Ou seja, se a sociedade não dispuser de alimentação, moradia, saúde e transporte, não teremos estudantes com potencial de mobilidade nem efetiva redução das desigualdades sociais. Ter um mercado de trabalho absorvente traduz uma economia em movimento, mas não necessariamente mão de obra empregável, qual seja, apta ao desempenho das demandas requeridas.
Não há como, em pleno século XXI, falar em desenvolvimento sem relacioná-lo à ideia de sustentabilidade. Todo desenvolvimento deveria ser pensado de forma sustentável. Nossa inserção numa economia globalizada assim nos exige. Os pilares tradicionais da sustentabilidade são três: o econômico, o social e o ambiental. No entanto há frutíferas discussões sobre um quarto pilar que, no fundo, seria o responsável pela dinamização dos demais e, de certa forma, o precederia: o cultural.
Em 2001, o pesquisador e ativista australiano John Hawkes publicou o estudo “O quarto pilar da sustentabilidade: o papel essencial da cultura no planejamento público”. Há também importantes estudos do economista indiano Amartya Sen sobre a definição do conceito de desenvolvimento atrelado à liberdade de escolhas. Ora, não há escolhas nem condições de refletir sobre elas para aqueles que são reféns não apenas da fome, como também da opinião pública e midiática. Se os dados que replicamos são fidedignos, a fome não é o maior dos nossos gargalos. A falta de acesso à educação e as dificuldades (ou a pouca vontade) em torná-la uma questão de ordem são empecilhos ainda maiores.
O entendimento da cultura, do ponto de vista antropológico, como o conjunto de práticas e valores que expressa o modo de vida de um grupo ou mesmo de uma comunidade, permite-nos endossar a precedência da cultura sobre os demais pilares do desenvolvimento sustentável. Para que os aspectos econômico, social e ambiental sejam mobilizados em favor do desenvolvimento de uma região, sobretudo se esse desenvolvimento implicar a reorganização de algumas das práticas constituintes da cultura local, é fundamental que a comunidade envolvida esteja apta a refletir sobre tais práticas e possa escolher, sem imposições, alterá-las, reordená-las, dinamizá-las.
Ora, é nesse sentido que a educação pode ser um agente transformador do indivíduo e da própria sociedade, uma vez que atuará como fator de desenvolvimento. Saber preservar hábitos e práticas locais significa compreendê-los como patrimônio, ainda que imaterial. Percebê-los nas tensões entre o local e o global constitui um passo além para sua sobrevivência. Conseguir melhor aproveitar a língua, a plantação, a colheita, a pesca, o artesanato, o barro, a cerâmica ou até mesmo a tecnologia é estratégia de desenvolvimento sustentável que depende da educação, a única via capaz de retirar os antolhos a que a escuridão da ignorância nos condena.
“Pai patrão”, filme dirigido pelos irmãos Taviani e baseado no romance homônimo de Gavino Ledda, ilustra de forma dramática as relações entre a natureza e a civilização, a aldeia e o mundo, o dialeto e a língua, na opressão de um pai que condena o filho ao trabalho na lavoura, negando-lhe a oportunidade do estudo, ou seja, do alargamento dos horizontes, única mágica possível para não tornar excludentes nem incompatibilizar a cultura local e a universal.
(Analice Martins)