Os comunicadores

 

Todo sistema comunicativo mobiliza os seguintes elementos: remetente, mensagem, destinatário, código e canal. Quando as intenções da enunciação recaem sobre um desses elementos, em especial, observam-se funções distintas na linguagem empregada. Esta teoria foi apresentada pelo linguista russo Roman Jakobson, nos anos sessenta, e até hoje norteia estudos e pesquisas.

Na semana em que foi escolhido o novo Pontífice da Igreja Católica, após a renúncia inesperada de Bento XVI, as mídias multiplicaram imagens e discursos dos papas mais recentes da história. Como não sou católica nem observadora atenta de tais assuntos, não me sinto autorizada para maiores comentários, mas, ouvindo os breves pronunciamentos de Jorge Mario Bergoglio, o novo papa, inclusive o “Angelus” de domingo pela manhã, pude notar a sua condição notória de “comunicador”.

Aqueles que fazem uso da palavra oral, no exercício de suas funções (religiosos, advogados, professores, pesquisadores, jornalistas, políticos), podem fazê-lo de muitas formas, porque movidos por propósitos diversos. Contudo, para que se comuniquem de modo pleno, ou seja, estabeleçam com o público de ouvintes (destinatários) a empatia necessária para a veiculação de suas mensagens, devem observar o perfil deste público e a adequação da linguagem ao canal que a veicula. Ainda assim, nem todos têm êxito na empreitada, já que existem muitas variáveis neste processo.

Por exemplo, mesmo que se pressuponha um público homogêneo (nacionalidade, faixa etária, formação escolar, interesses comuns), ele nunca o será de fato, pois as subjetividades nos colocam em diferentes condições de escuta. Se tal público é sabidamente heterogêneo nas variantes destacadas, a tarefa é para poucos, ou melhor, para os genuínos comunicadores.

Numa sociedade espetacularizada e visual, fico com a impressão de que, para escutar e entender, os ouvintes querem mais do que palavras. Querem gestos, trejeitos, suor, slides e tecnologia. Tarefa bastante hercúlea para pobres mortais. Penso incondicionalmente que, para falar, no exercício de uma profissão ou ministério, a primeira e maior exigência seja a competência sobre a matéria a ser tratada. Se ela existe, talvez, outros fatores que arranhem a comunicação possam até ser relevados.

De quem fala tudo se exige: que seja simpático, que tenha uma voz agradável, que não tenha muitos cacoetes linguísticos, expressões de apoio (né, tá, entendeu?), que seja claro, didático e disposto à interlocução. Pobres de nós que vivemos do que falamos, temos que reunir habilidades e qualidades que vão além da competência. Ora, onde então se aproximam ou se distanciam oradores, pregadores, professores, conferencistas, jornalistas etc?

Entre eles, o que há de comum é a condição de enunciadores e, às vezes, o uso de um mesmo código (a língua em que se expressam). O que há de diferente pode ser a mensagem, o canal e o público destinatário. O quesito, no entanto, que faz a grande diferença, o “pulo do gato”, o plus, o canto da sereia (ainda que seja o papa), é algo menos tangível ou mensurável e excede teorias, isto é, a condição de comunicador, aquele que parece penetrar em todos os nossos sentidos. Aquele a quem ouviríamos por horas ininterruptas, aquele para quem acorremos quando sabemos que vai falar, aquele de quem guardamos expressões, palavras, frases inteiras ou algo mais etéreo. Aquele que nos faz pensar, que remexe nossos escaninhos e que nos toca com energia, despertando-nos da letargia de nossos pensamentos. Eu tenho minha listinha composta de pessoas públicas e anônimas. Imagino que também tenham as suas.

Jorge Mario Bergoglio, agora Francisco, tem dispensado protocolos de toda ordem, ouro e regalias. É um papa que sorri e cujos dentes, prova inconteste de sua dimensão física, já vi em várias imagens. Como todo nome é uma existência, um corpo simbólico, um ato de investidura, nomear é fazer algo ou alguém existir numa ordem simbólica. Por isso, não foi à toa que Bergoglio se rebatizou, em seu novo e desafiador apostolado, tomando de empréstimo a santidade do que foi o “irmão dos pobres e da natureza” e que rogou: “Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz!”.

Da janela do Vaticano, falou Francisco para os que se aglomeravam na praça São Pedro, na manhã deste último domingo. Saudou-os como “irmãos e irmãs”, despindo-se, em palavras, de hierarquias. Saudou o dia, o sol e a praça. E relembrou o quinto domingo da quaresma cristã, escolhendo como mensagem primeira as palavras de misericórdia de Jesus à mulher adúltera: “aquele que não tiver pecados que atire a primeira pedra”. E, como genuíno comunicador que é, falou de improviso, abandonando as páginas escritas que estavam em seu púlpito, enfatizou a misericórdia divina, registrando que somos nós quem nos esquecemos de pedir perdão pelos nossos pecados. Escolheu, portanto, em sua primeira comunicação direta com os fiéis, uma mensagem de tolerância, este embrião da misericórdia.

 (Analice Martins)

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