É lamentável o desconhecimento de que goza a literatura brasileira contemporânea mesmo entre leitores assíduos. É estranho observar que são ilustres anônimos aqueles que estão desenhando nossos perfis literários nacionais. Ignorar o presente é também uma forma de alienação.
Mais paradoxal ainda é esta questão se pensarmos que se publica muito hoje em dia, até porque há muitas facilidades editoriais, iniciativas descentralizadas que não precisam passar por corporações. A tecnologia é forte aliada deste fenômeno e dos mecanismos de distribuição da imagem dos escritores. Sites, blogs, tumblrs, twitter, facebook funcionam como eficientes plataformas de divulgação dos autores e de suas obras. A leitura em outros suportes é de fato um agente democrático. A leitura pode estar ao alcance da mão e dos olhos de um público quantitativamente mais significativo. Mesmo em formatos mais convencionais, as mídias impressa e televisiva continuam funcionando como agências difusoras da cena contemporânea.
Portanto, tudo faria crer que somos leitores de nosso tempo. Pelo menos, que estamos expostos à produção literária contemporânea de forma mais voraz do que no século passado. Mas nada disso, infelizmente, tem assegurado uma comunidade de leitores para a literatura brasileira contemporânea. Que fique claro que, neste cenário, Paulo Coelho não tem assento.
Nos currículos escolares, é ainda nítida a exclusão do presente. Quando os alunos leem Clarice Lispector e Guimarães Rosa parece que estão lendo os últimos escritores de nossa literatura, que acaba morrendo aí. Tudo bem que seria uma morte gloriosa. Mas a literatura brasileira não morreu na década de 50 do século XX como os componentes curriculares fazem crer.
Daí surgem constatações doídas. É possível que um aluno, jovem leitor, não saiba perceber como literários registros de seu tempo nem atribuir valor estético a eles. Ora, isso não ocorre com a música! Por que então a literatura contemporânea, no Brasil, fica em lugar tão marginal e desconhecido? Para piorar, nos Cursos de Letras do país, via de regra, o que deveria ser um estudo sistemático é empurrado para disciplinas eletivas, optativas etc. Forma-se então um quadro perverso: professores não leitores da contemporaneidade.
Nada do que digo aqui deve ser confundido com o menosprezo pela tradição, pelo cânone, pelas altas literaturas. Nenhuma postura iconoclasta neste meu discurso. As vanguardas e seus brados futuristas de aniquilação do passado já cumpriram sua função histórica – fundamental, sem dúvida – e se foram. Vivemos outros tempos, com outras linguagens e preocupações. Devemos procurar entendê-los e fruí-los sem nariz empinado. Desconhecer o presente é tão grave quanto desconhecer o passado. Como muito bem disse Mario de Andrade, “o passado é lição para se meditar, não para se reproduzir”.
Por estranho que pareça, uma forma de entender o presente é conhecer o passado e refletir sobre ele. Acredito que a literatura seja uma destas potentes formas reflexivas. Na linguagem literária, operam-se tensões, diálogos, apropriações, estilizações ou mesmo rupturas em relação ao passado. Logo, ler o contemporâneo é imprescindível e urgente.
O livro “O futuro pelo retrovisor: inquietudes da literatura brasileira contemporânea”, recém-lançado pelo Rocco e organizado pelas pesquisadoras Stefania Chiarelli, Giovanna Dealtry e Paloma Vidal, ocupa um lugar estratégico para tais reflexões. É um livro de crítica literária que quer levar a cabo a urgência da leitura e do entendimento da prosa contemporânea no Brasil, roubando, para isso, a imagem de Marshall McLuhan, expressa no título, como explicam as organizadoras: “A nossa aposta é que parte expressiva da atual literatura brasileira está caminhando neste momento para uma releitura das tradições da modernidade, saqueando ou revistando o passado (…) Em seu sentido original, a expressão dizia respeito a um olhar fixo sobre o passado, que tendia recuperá-lo sempre da mesma maneira. Gostaríamos de retomá-lo aqui para tratar de uma relação com o passado que pode se dar de múltiplas formas, de modo que não se estabeleça uma relação linear de causalidade entre passado, presente e futuro”.
A pretensão deste livro é, portanto, por meio dos 17 ensaios feitos por pesquisadores de universidades distintas do país, verificar se os autores da prosa brasileira contemporânea “não estariam operando reapropriações de questões fundamentais dos séculos XIX e XX – no plano estético, ideológico, temático, formal etc. -, reelaboradas a partir do presente”.
Vamos lá! Não deixem que Adriana Lunardi, Adriana Lisboa, Bernardo Carvalho, Carola Saavedra, Chico Buarque, Daniel Galera, João Almino, João Gilberto Noll, Lourenço Mutarelli, Luiz Ruffato, Michel Laub, Milton Hatoum, Ricardo Lísias, Rodrigo Lacerda, Rubens Figueiredo, Sergio Sant’Anna, Valêncio Xavier lhes sejam ilustres desconhecidos.
(Analice Martins)