Que literatura nos representa hoje? Que escritores de ficção literária nos representam em eventos internacionais, feiras, bienais, salões do livro? Como suas obras dizem de nós? O que estamos produzindo na arte que potencializa o maior patrimônio imaterial de um povo: a língua?
Essas perguntas não podem estar desvinculadas, no entanto, de outras tantas que ajudam a esclarecer os nomes selecionados para tais eventos: Quem os escolhe? Que instituições ou personalidades têm a prerrogativa ou a autoridade para estabelecer esse panorama de representatividade?
Em um evento como o Salão do Livro de Paris, razão deste meu artigo de hoje, que homenageará o Brasil pela segunda vez, participaram, por exemplo, o Ministério da Cultura, a Câmara Brasileira do Livro, a União Brasileira de Escritores, o Comitê Nacional do Livro na França, o Conselho Diretivo do Plano Nacional de Livro e Leitura, a Liga Brasileira de Editores, a própria Academia Brasileira de Letras, que teve direito a três indicações de seus pares. Os curadores do evento são os brasileiros Leonardo Tonus, professor de Literatura Brasileira na Sorbonne, e Guiomar de Grammont, idealizadora do Fórum de Letras de Ouro Preto.
Conhecer as funções de um evento parece-me crucial para que possamos fazer a grita necessária, uma vez que toda seleção, premiação, antologia ou coletânea implica um processo de inclusão colado a outro de exclusão. Assim se constituem as seleções. Mesmo com a atuação da Brasilian Publishers e da Apex Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) não escapamos dos estereótipos que nos circunscrevem às mulatas, ao samba e ao futebol. A imagem publicada no site do semanário francês “Le Nouvel Observateur”, em matéria sobre o evento, com mulheres de biquíni segurando uma bandeira do Brasil, já provocou a grita primeira. Como divulgação do evento, é vexatória. Como imagem do Brasil, é reducionista e nos persegue.
Em recente viagem à França, ouvi, em tom de brincadeira (ou não), do agente imobiliário responsável pelo aluguel do apartamento onde fiquei em Paris que eu não fizesse barulho depois das 22h, nem desse festas ou coisas do gênero. Nada de samba, disse ele. Em outro episódio, pude ouvir do simpático taxista haitiano que me levou ao Charles de Gaulle o seu amor incondicional pelo futebol brasileiro. Era um homem de menos de 40 anos, morando há 15 em Paris e que, além de conhecer todos os jogadores de várias seleções, amava de paixão nosso futebol a ponto de torcer por nós contra a França, de perder o humor e o dia por nossas vicissitudes e de ansiar a vinda ao Brasil em março de 2015 para conhecer, em especial, como fez questão de frisar, os nossos estádios. Mas não posso me queixar, pois afinal fui à França participar de um Colóquio de Literatura Brasileira Contemporânea e tive o prazer de ver pesquisadores de várias universidades e de outros países envolvidíssimos com nossas questões, além de mestrandos e doutorandos que nos leem e nos conhecem talvez até mais do que estudantes brasileiros.
A circulação de uma literatura em outros países depende e muito de políticas editoriais, de tradução, de exportação e de distribuição. Sua visibilidade nesse sentido é um trabalho de formiga. A percepção da pujança de nossas belezas naturais infelizmente nunca correspondeu à mesma importância de nossa literatura em cenário estrangeiro. Para um país com tão sérios problemas no sistema educacional, um país de não-leitores, para quem a literatura ainda parece arte da elite, fica difícil ambicionar um outro universo de leitores.
Por isso, eventos como esse que ocorrerá em março de 2015 em Paris devem ser comemorados, apesar das controvérsias ou discordâncias sobre os escritores que nos representarão. Segundo a Comissão Organizadora, os critérios para a escolha dos 48 nomes corresponderam à exigência de, pelo menos, uma obra traduzida para o francês, representação de gêneros literários distintos, equilíbrio entre a participação masculina e feminina e entre autores já consagrados e outros mais novos, abrangência de diferentes regiões do país e particularização das diversidades étnicas e culturais.
Vale a pena conferir a lista. Essa e as de outros eventos similares. Para emitir juízos de valor, discordar, é preciso ler, conhecer. Impressionismos, achismos, passionalidades não significam representatividade. Uma lista como essa não precisa corresponder à nossa lista de eleitos, ela precisa dizer de quem está fazendo a nossa literatura e de que forma. Precisamos conhecê-la. Precisamos discuti-la. Precisamos dizer o que entendemos por literatura e reavaliar seu lugar não só como expressão identitária nacional, mas como força de compreensão sobre o mundo e os homens.
Confesso que fiquei bem satisfeita em ver lá Adriana Lisboa, Adriana Lunardi, Ana Paula Maia, Alberto Mussa, Antônio Torres, Paloma Vidal, Tatiana Salem Levy, Bernardo Carvalho, João Anzanello Carrascoza, Luiz Ruffato, Milton Hatoum, Marcelino Freire, Michel Laub, Paulo Lins, Ronaldo Correia de Brito. O único grave lamento é mesmo Paulo Coelho, que, para mim, só corresponde ao critério de ter mais de uma obra publicada em francês. Creio que todas. Mas mago deve pairar acima de tudo, mago mora nos Pirineus e fala em todas as línguas.
(Analice Martins)