Que este ano seja igual
– ou melhor –
àquele que passou:
aquoso,
salgado,
maré alta,
lua cheia,
lua azul,
(en)canto de sereia,
fênix ardida em chamas
renascida das cinzas,
em dia de sol.
(Analice Martins – Campos, 06/03/2025)
Que este ano seja igual
– ou melhor –
àquele que passou:
aquoso,
salgado,
maré alta,
lua cheia,
lua azul,
(en)canto de sereia,
fênix ardida em chamas
renascida das cinzas,
em dia de sol.
(Analice Martins – Campos, 06/03/2025)
Praia, paixões fevereiras (Caetano Veloso)
Teu corpo em movimento
– colado ao meu –
serpenteia a geografia da cidade
entrevista da janela.
*
A sinuosidade dos morros
recorta o azul
– ofegante –
deste céu de verão.
*
Verão que desagua no mar
um gosto cítrico
como o sumo da laranja
no ventre das tuas manhãs.
(Analice Martins – Rio,17/02/2024)
Quem me conhece sabe que cultuo o cinema na telona, que me disponho aos deslocamentos (desde que não para shoppings), que pago inteira se não me enquadrar em nenhuma meia-entrada, que prefiro ir só e que odeio pipoca (o cheiro e o barulho). E que só vou aos domingos se não houver outro dia que me seja possível. Cinema para mim não é entretenimento, muito menos a maior diversão. Se você leu esse introito deselegante e não fechou a tela, vá até o final desses breves comentários.
Assisti a seis filmes desde que cheguei ao Rio de férias: “Crônica de uma relação passageira” (Emmanuel Mouret), “Queer” (Luca Guadagnino), “Babygirl” (Halina Rejin), “Histórias que é melhor não contar” (Cesc Gay), “Baby” (Marcelo Caetano) e “Meu bolo favorito” (Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha). Produções brasileira, americana, espanhola, francesa, iraniana. Diretores e diretoras também de nacionalidades distintas. Nenhuma aleatoriedade. Só vou ao que me interessa por algum aspecto: produção, fotografia, temática, linguagem, interpretações. De preferência, tudo junto e misturado.
Quero sempre sair da sala escura com algum clarão, alguma coisa que tenha me içado e me inquiete, que me faça ficar falando comigo mesma, que renda alguns chopes e que permaneça em minha memória por muitos, muitos anos. Ou seja, sou uma chata assumida. Mais motivador ainda é quando consigo fazer relações entre filmes assistidos em épocas distintas, em contextos diversos e recordados com finalidades diferentes.
Na relação dos filmes desse janeiro de 2025, me peguei costurando essas dimensões tão importantes e corriqueiras da vida: solidão, sexo e amor. Em todos os filmes que citei, há personagens solitários, ainda que casados, acompanhados etc. A solidão é uma condição existencial, não é necessariamente a ausência de pessoas ao redor, embora essa seja a situação mais evidente: na terceira idade (“Meu bolo favorito”); no abandono familiar (“Baby”). Ou mesmo num certo exílio (“Queer”).
A solidão é amarga (fato, né?!), mas, quando é atravessada pela pulsão do desejo, da paixão – esse ímpeto violento de vida -, ela se transfigura. O desejo é sempre uma falta. Ou parte de uma falta, uma lacuna, uma fenda, uma fresta. Não me refiro apenas ao desejo sexual. O desejo é uma inquietude produtiva, mobilizadora, remove montanhas. Acreditem! Pena que seja tão demonizado pelas culturas em geral. Tão mal interpretado. O sexo que consuma o desejo cúmplice é solar. Deveria ser! Dionisíaco, festivo!
O sexo até pode não ser a coisa em si como em “Meu bolo favorito”, mas ele está lá como linguagem, como pulsão de vida, como diz o personagem de “Crônica de uma relação passageira”: “Mesmo que não façamos nada, só ver você já é algo sexual”. O sexo também é uma linguagem que tem que se corporificar em uma língua comum, num léxico partilhado, ou será sempre frustrado como em “Babygirl”. Sexo não é para ser um monólogo.
“Baby” é o filme em que o sexo está presente como moeda de troca e sobrevivência, mas também como abrigo e acolhida (“Some não, baby!”, diz um dos personagens), assim como, em “Queer”, o sexo também acolhe a solidão do exílio e das margens territoriais e corporais. E o amor? O amor entra em quase todos esses filmes como um plus, uma coisa sorrateira, imprevista e que não foi dada a priori. Nunca é, né? Por isso, talvez, seja mesmo como diz Drummond: “… é privilégio dos maduros!”.
Para finalizar esse esboço de análise, registro, das narrativas de “Histórias que é melhor não contar”, aquela cujo título resume o de todas essas bobagens que escrevo aqui: “Você me fez muito feliz nos últimos dois meses”. Simples assim!
Cinema não é necessariamente a maior diversão, mas é sempre uma ótima opção!
Analice Martins (Rio, 17/01/2025)
O voo que o pássaro não alçou
O girassol que não abriu
A gota de orvalho que se pendurou na vidraça
O arco-íris que não saiu depois da chuva
A lagarta que não virou borboleta
A vela do barco que não inflou
A bailarina que perdeu a sapatilha
O bolo que não cresceu no forno
A corda do violão que se partiu
O verso que não se completou
O sim que se calou na garganta.
Analice Martins (Campos, 11/09/2024)
Aquele relógio branco
impassível
devora os minutos de um tempo
que não quer se represar.
*
Aquele relógio branco
cruel
me lembra, qual um epigrama,
que a felicidade é veloz e precária,
custa a vir e, quando vem,
não se demora.
*
Aquele relógio branco
esfíngico
também me sussurra arcaicamente
que, na aresta de um instante,
não se questiona o destino
de nossos passos.
*
Aquele relógio branco
tonto
não sabe que o instante que passa
passa definitivamente.
Analice Martins (Campos, 10/09/2024)
Um dia úmido:
rumorejar de água
na grama,
na telha,
na calha.
*
Dentro de mim:
pequeno córrego
de alegria.
*
Umectante:
palavra sonora
e comestível.
*
Um dia gris:
gritante de desejo
e farfalhar.
Analice Martins (Campos, 09/12/2023)
Lá,
o tempo brinca de esconde-esconde,
faz piruetas,
entra no trem fantasma
e solta as mãos na montanha russa.
*
Lá,
o tempo se abriga,
fecha as portas,
tranca as fechaduras,
se finge de morto,
e chora para sair.
*
Há quem grite: “eu quero tudo de lá”.
Há quem diga: “nunca mais lá”.
Analice Martins (Campos, 14/10/2023)
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