À moda de

I

Ah, eu quero o verso da manhã

límpido e cristalino,

punhal de prata

cravado na carne

da palavra,

que – vertigem-

não conhece as

garras da sintaxe.

 *

Não, não é preciso

que se atravesse

a noite

em claro.

 *

Mas tão-somente

que o verso ganhe

da manhã

seu orvalho primeiro.

 

II

Ah, eu quero o verso da manhã,

despudorado, desvairado,

passado de boca em boca,

de mão em mão,

profano,

promíscuo,

perdido.

 *

Procurem por toda a parte.

Perguntem nas padarias

nas farmácias

nas igrejas.

Perguntem ao jornaleiro.

 *

Digam que estarei aqui,

sozinha,

que lhe farei todas as carícias,

que o farei sentir toda a minha ternura,

e que, então,

ele esquecerá todas as minhas baixezas

e me tomará como sua.

 

(Analice Martins) 

Acalanto

Para minha mãe, Ruth Maria Chaves Martins

A pedra lançada no rio

desdobra a água

em círculos.

*

Espelho feiticeiro que

expande o fato,

que se debruça em outro

e mais outro.

*

A memória desenrola,

em ondas,

seu carretel desenfreado

e sem bússola.

*

A imagem no centro

mergulha

e desaparece,

qual a pedra que afunda.

*

E deixa,

na superfície encrespada,

uma lembrança persistente:

clareira em água inquieta.

 

(Analice Martins)

 

Épica das manhãs

O mar gritou em mim

sua fúria

longínqua.

 *

Lembrou-me que é,

na bravura das ondas,

que o nadador

esgrime.

*

O mar me amanheceu

– rouco e altivo –

no silêncio das manhãs

praieiras.

 *

Soprou um som passarinho

na pele eriçada

de poros na escuta.

 

(Analice Martins) 

Elegia

Palmeiras explodem no ar
crispam de azul
o céu dessa manhã outonal.
               *
A Lagoa desenha geografias
que o olhar comovido
agradece.
              *
A cidade sou eu,
dizia Drummond
molemente dentro de um táxi.
              *
Do Botânico Jardim
me despeço hoje
com o coração em compasso de espera.
             *
Que venham o túnel,
as Laranjeiras,
a rua Alice.
            *
(Analice Martins)

A cidade que habita os homens

O título a que recorro para esse texto-homenagem aos 450 anos da cidade do Rio de Janeiro é parte do questionamento levantado por Nelson Brissac em artigo de 1996: “É a cidade que habita os homens ou são eles que moram nelas?”

A primeira parte da pergunta, a que escolhi para pensar a relação dos moradores com a “cidade maravilhosa”, é a que traz, sobretudo, uma noção de pertencimento afetivo, que, independentemente de onde estejamos residindo no momento, arrastamos como memória fecunda. Não ter nascido em determinado lugar não nos exclui de nos sentirmos parte dele, de nos vermos em seus hábitos, costumes, falares, paisagem e história.

Ser habitado por uma cidade é ter com ela uma relação de identidade, é elegê-la como discurso e imaginário. Isso não tem nada a ver com cegueira crítica ou política, é vínculo mais doído: é amar apesar de. Algo como diz Carlos Drummond de Andrade, poeta nascido no estado de Minas Gerais, sobre sua cidade natal: “Itabira é apenas uma fotografia, mas como dói”.

São dele, aliás, alguns dos poemas que mais dão conta do sentimento de enamoramento e paixão pela cidade de São Sebastião. A mineiridade drummondiana vai aos poucos cedendo ao fascínio das linhas sinuosas do Rio de Janeiro, como na seção do poema “Lanterna mágica”, que leva o nome da cidade: “Fios, nervos, riscos, faíscas./ As cores nascem e morrem/ com impudor violento”. Mais à frente, com o coração que segue “molemente dentro do táxi”, cede à voluptuosidade dos corpos nas areias: “Nas praias nu nu nu nu nu nu/ Tu tu tu tu tu no meu coração”. Não sem ressalvar a dinâmica ambígua da cidade: “Mas tantos assassinatos, meu Deus.”/E tantos tantíssimos contos do vigário…”

As comemorações muitas que estão ocorrendo na cidade por meio das artes em geral reverenciam essa “paisagem cultural urbana”, considerada patrimônio pela UNESCO em 2012. Um patrimônio material e imaterial, uma categoria peculiar que corresponde à utilização humana da natureza e da topografia da cidade e que identifica um estado de espírito sem o qual a cidade perderia o seu elã: ser ou sentir-se carioca.

É claro que qualquer entendimento do que seja tal estado de espírito gerará controvérsias, mas o fato é que, aprisionados entre o mar e as montanhas, entre avenidas e favelas, entre o samba e o clássico, entre Niemeyer e o grafite, vai palpitando em nossos corações “a alma encantadora das ruas”, de que já falara João do Rio.

O poema “Coração numeroso”, de Drummond, expressa a captura da alma do poeta, sua gradual rendição à cidade, do mar que era uma promessa e do vento que ainda vinha de Minas para “uma fascinação casas compridas/ autos abertos correndo caminho do mar/ voluptuosidade errante do calor/ mil presentes da vida aos homens indiferentes”, de tal modo que seu “coração bateu forte” e que o mar agora batia em seu peito: “o mar batia em meu peito, já não batia no cais”. O poeta, então, exclama “a cidade sou eu/ sou eu a cidade”, na fusão lírica por excelência em que o “eu” faz transbordar seu estado anímico sobre a realidade externa, e esta o toma de assalto. Sujeito e objeto passam a ser uma coisa só. Nesse caso, de fato, é a cidade que habita os homens.

Meu coração também está mole como o do poeta. A contingência de uma mudança de apartamento no Rio de Janeiro me fez percorrer a cidade novamente a pé, de ônibus, de táxi. E colocou-me a observar, encantada, sua dinâmica em cada rua, em cada bairro, em cada esquina, em cada bar e padaria.

Mais fascinantes ainda têm sido as histórias dos proprietários dos apartamentos visitados. Cada um e sua janela, sua vista sobre a cidade, o bairro e sua história. Cada um e seu discurso sobre o Rio de Janeiro. Talvez, pela ausência de um olhar técnico sobre o imóvel em si, acabo ficando presa às histórias contadas das janelas que se debruçam sobre ruas, árvores e morros. O cansaço da procura vai sendo substituído pela escuta das relações de cada um com a cidade e por esse sentimento de que a cidade os habita e a mim também.

(Analice Martins)

O documentário e a vida

Não gosto de cinebiografias nem de musicais biográficos. Às vezes prefiro não saber que o filme foi baseado em fatos reais. Fico então muito deslocada diante da voga atual de boa parte das produções ditas artísticas no Brasil. Acho que sou uma chata mesmo. Vejo em todo esse movimento de produção muito oportunismo mercadológico disfarçado como circunstância de celebração.

Tudo isso é apenas um lado da “espetacularização do eu”, promovida pelas mídias em geral. Não vejo gratuidade nesse fenômeno. Ao contrário, lamento que não nos preocupemos com as causas sociológicas, psicológicas, filosóficas dessa “febre do eu”, ou como diria a pesquisadora Paula Sibilia, desta “exintimidade”.

Para que fique claro: Não estou julgando o mérito e a qualidade de atores, dançarinos, fotografia, figurinos e sonoplastia. Podem ser impecáveis. São exaltados pela crítica em geral, mas escondem roteiros, por vezes, frágeis e duvidosos. Discordem ou não, creio que o roteiro seja a alma de um filme. É ele que conduz a narrativa que trará, para o plano visual e cênico, as personagens que se erguerão diante de nossos olhos. Em cinebiografias e musicais biográficos, não nos iludamos, o que está diante de nós é um personagem que, por meio do corpo do ator e do entorno cênico da produção, evoca uma pessoa que é ou foi “de carne e osso”. Quando sentimos o personagem e a narrativa fílmica como a pessoa e sua história concretas, é porque o poder da ficção funcionou, criando a ilusão de realidade tão desejada pelas artes em geral.

A ficção existe para isso: para nos iludir, para recriar, para reinventar ou mesmo para falsear. Ficção não é documento de cartório. Não precisa prometer dizer a verdade, apenas a verdade, nada mais do que a verdade sob a ameaça de amargar alguma punição. Então, em que ponto se encontra a resistência pessoal de que falei no início?

Talvez apenas em minhas rabugices. Prefiro os documentários mesmo sabendo que, no fundo, são também um narrativa construída meticulosamente, urdida com os mesmos procedimentos de uma trama ficcional. O documentário pretende ser o decalque da vida como ela é ou foi, mas a vida não ganha a tela de forma tão autônoma ou talvez autômata assim. Há olhares e mãos que a transpõem. Um documentário também tem roteiro, também constrói uma narrativa. Mas é diferente. Nele, assombrosamente aquelas pessoas que já se foram pulam diante de nossos olhos e sentidos com a dimensão de seus corpos, gestos, respiração e voz. Saem do além e entram em nosso aqui-e-agora fantasmagoricamente imantadas por aquela “aura” da presentificação. O documentário é como a divertida montagem de um quebra-cabeça. Os fragmentos dispersos vão reconstruindo a vida, com suas idiossincrasias e arranhões.

Insisto: um documentário, por mais que queira ser a vida como ela é ou foi, é ficção, admite versões, sugere interpretações, tem direção, tem decisões e opções. É como abrir um baú e escolher as peças “reais” com que vamos recontar uma história. Há escolhas, opções, descartes, peças inusitadas, mas guarda um cheiro do mofo da vida.

Gostei muito do documentário “Cássia Eller”, de Paulo Henrique Fontenelle, seja pelo maravilhoso arquivo de imagens que nos transportam para aquela realidade que já se esfumaçou, seja pela história da trajetória da cantora, observada por aqueles que a acompanharam de perto: amigos, parceiros, empresários, diretores, amados e amantes.

Em especial, gostei muito dos aspectos de sua vida destacados pela amiga Zélia Duncan, não à toa, uma mulher amante das letras e das narrativas. Zélia pontuou a garganta vulcânica (“a Cássia tinha um vulcão na garganta”), sua estranheza fêmea-macho, macho-fêmea, seu pioneirismo, mesmo que não premeditado, na constituição dos novos lares. Chicão, seu filho com o baixista Tavinho Fialho, morto em um acidente de carro, ganhou judicialmente o direito de ser criado pela ex-mulher de Cássia, Maria Eugênia Vieira. Um desejo sempre reiterado pela cantora.

Adorei o depoimento do crítico musical Tárik de Souza que destacou a importância de Cássia no sentido autoral, pelas apropriações de que foi capaz: de gêneros musicais distintos, do rock ao samba, de canções inesquecíveis na voz de seus intérpretes originais. Se Cássia não foi uma grande compositora, foi uma intérprete autoral, ou seja, fez ser dela, como só ela o faria, o que era do outro. Isso é criação, isso é autoria, isso é assinatura. Para mim, o caso mais visível desse aspecto é sua interpretação de “Non, je ne regrette rien”, canção enaltecida na voz de Edith Piaf. Sem falar uma palavra em francês, mas com a coragem e o destemor dos grandes cantores, fez da canção francesa um depoimento-símbolo de sua vida: “Não, eu não lamento nada”. O “erre” gutural francês descia como um doce veneno em sua garganta.

E, ao final, para dar um xeque-mate na ficção e em seus engodos: a aparição de Chicão em um depoimento à la Cássia Eller. Tímido, esforçando-se com as palavras diante das câmeras.

Vale a pena conferir!

(Analice Martins)

O sertão de Ronaldo Correia de Brito

O escritor Ronaldo Correia de Brito é cearense, mas mora em Recife. Sua ficção, representada pelos contos de Faca e Livro dos Homens, além dos romances Galileia e Estive lá fora, encena os tensos diálogos entre a ambientação sertaneja e a esfera urbana, entre tradição e modernidade, entre localismo e cosmopolitismo.

O premiado romance Galileia (2009) narra o retorno dos primos Adonias, Davi e Ismael à casa do patriarca, o avô Raimundo Caetano, na qual todos passaram a infância. Homens da cidade e do mundo, viajantes e estrangeiros, fazem o caminho de volta ao sertão do qual fugiram como “aves de arribação”, segundo o avô. A celebração do aniversário do patriarca moribundo é o mote da viagem. O reencontro com um passado que não esconde culpas, mágoas, violência e tragédia é temido pelos três assim como o sertão com o qual se deparam.

São as ruínas de um passado opulento, de latifúndios com até doze mil cabeças de gado, que são vislumbradas pelas janelas da caminhonete que os traz de volta. Com a agricultura e a pecuária falidas, o sertão descortinado aos olhos dos personagens é outro. Os tempos mudaram, como diz, sobre a terra e os filhos, o dono de uma birosca à beira da estrada: “Não existe mais roça, nem eles querem, não existe mais gado, nem eles querem. Tem a cidade sem emprego”.

O sertão descrito pela ficção de Brito é agônico, sua grandeza épica pertence a uma outra ordem econômica do Brasil. Já o sertão contemporâneo se assemelha à periferia da cidade grande. Vive às margens de uma efetiva modernização, ainda que beneficiado por ela. Celulares, games, internet, motocicletas e mototáxis encurtam as distâncias, mas não preenchem o vazio de empregos, nem incluem o sertanejo marginalizado. Se antes era o flagelo da seca, agora a prostituição como resultado de uma modernização excludente.

As tradições culturais locais servem tão-somente para encenações. Roupa de couro e chapéu na cabeça são tristemente adereços para o xaxado, não correspondem mais ao exercício de uma função. Até os aboios de vaqueiro são ouvidos apenas nos programas de rádio. O sertão arcaico é apenas imagem, simulacro: o quarto de fabrico de queijo na Galileia, por exemplo, arruinou-se, as prensas lembram esqueletos de dinossauros, lembranças da fartura de leite: “Nos fogões de lenha não se torra café nem manteiga, nem se produz sabão da gordura de porcos e bois. Panelas de barro e cobre, cuias, jarras, potes e alguidares perderam a função. Minguaram, substituídos sem saudades por plásticos e acrílicos”.

Seria temeroso, no entanto, afirmar que o sertão ficcionalizado por Brito seja apenas uma paisagem e um cenário em ruínas, pano de fundo para discussões mais universalizantes. A fortuna crítica tem feito coro a esse olhar, embalada, sem dúvida, pela voz do próprio escritor, cujas entrevistas ajudam a construir tal discurso de autoridade.

Penso que uma das grandes subversões temáticas da prosa de Brito tem sido insistir na representação do sertão como um lugar de passagem, de trânsito, atravessado por deslocamentos e abandonos, incapaz de agarrar o homem a terra. A paisagem desolada e arruinada de agora em nada lembra os “inventários do passado”, “quando os Inhamuns eram uma terra rica, cheia de pasto, em que não parava de chegar gente” como afirma o personagem Ismael. Nesse contexto, observa-se não apenas a reestruturação de uma ordem econômica de produção, mas sobretudo um traço mais acentuado, sinal de que os tempos irremediavelmente mudaram: a mobilidade. É desses atravessamentos e hibridizações de que fala Brito.

O conceito de lugar identitário, relacional e antropológico, postulado pelo antropólogo Marc Augé, pode ser associado ao sertão da prosa regionalista de 30, ao qual os personagens de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, por exemplo, mesmo acossados pela seca e pela miséria, desejavam estar plantados, criando raízes e agarrando-se  a terra. O deslocamento compulsório em direção à cidade grande era antes de tudo uma estratégia de sobrevivência, não um desejo de errância. O sertão da Galileia de Brito não é relacional, é lugar de passagem e de fluxos. Um lugar em que, como diz Adonias, estão todos sempre de passagem ou de saída. Portanto, perceber o sertão como um “não-lugar”, na acepção de Augé, fratura o discurso localista da tradição regionalista brasileira, embaralha e tensiona as fronteiras entre campo e cidade, configurando um palco de tensões entre a herança rural e o futuro apocalíptico das cidades.

______________________________________________________________

*Este texto é parte do artigo que apresentei, em 2014, em Rennes (França), no congresso “Cartografias literárias do Brasil atual: espaços, atores e movimentos sociais”.

(Analice Martins)

Glossário e interpretações

EDWARD SAID, intelectual palestino, autor da imprescindível obra “Orientalismo”, afirma: “Hoje em dia, é muito frequente ouvir intelectuais acadêmicos norte-americanos ou britânicos falarem sobre o mundo islâmico; são abordagens feitas de forma redutora e, a meu ver, irresponsável sobre algo denominado “o islã” – cerca de 1 bilhão de pessoas, dezenas de sociedades distintas, meia dúzia de línguas principais como o árabe, o turco e o iraniano, todas elas espalhadas por um terço do planeta. Ao usarem essa única palavra, parecem considerá-la um mero objeto sobre o qual se podem fazer grandes generalizações que abrangem um milênio e meio da história dos muçulmanos, e sobre o qual antecipam, descaradamente, julgamentos a respeito da compatibilidade entre o islã e a democracia, o islã e os direitos humanos, o islã e o progresso”.

TARIQ RAMADAN, filósofo e acadêmico, professor de filosofia europeia e estudos islâmicos, no Saint Antony’s College, em Oxford, adverte: “O fato de existirem milhões de descendentes de árabes e mulçumanos vivendo no Ocidente causa um impacto tremendo no Islã. O mundo islâmico está de olho em nós. Se conseguirmos estabelecer uma boa convivência, sob uma base de confiança mútua, estaremos enviando o sinal de que é possível repetir essa experiência num patamar mais amplo, entre o Islã e o Ocidente. O maior atrito ocorre na Europa, mas é também onde há maiores possibilidades de diálogo. O desafio é tremendo. O caso das caricaturas do profeta Maomé, feitas pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten em setembro de 2005, é o sonho da extrema direita europeia e também dos extremistas islâmicos, pois atrapalha o entendimento. Os mulçumanos europeus precisam estar totalmente comprometidos com a identidade europeia e convictos de que esta sociedade é também a deles”.

ALAIN FINKIELKRAUT, filósofo francês de origem judaico-polonesa, sentencia: “Aqueles que combatem a liberdade de expressão em nome do respeito à crença que lhes é cara desprezam as crenças alheias e expressam claramente esse desprezo. Os jornais de Teerã, de Damasco e do Cairo estão repletos de caricaturas vingativas e grotescamente desavergonhadas de judeus ortodoxos ou de desenhos que demonizam o Talmud (conjunto de interpretações das leis mosaicas). É a dolorosa renúncia à convicção de seu absolutismo que embasa a um só tempo a liberdade de expressão e o respeito às crenças. É a essa renúncia que as elites e as massas islâmicas opõem sua cólera santa”.

HOMI K. BHABHA, crítico literário indo-britânico e estudioso da diáspora, postula: “A blasfêmia vai além do rompimento da tradição e substitui sua pretensão a uma pureza de origens por uma poética de reposicionamento e reinscrição. A blasfêmia não é simplesmente uma representação deturpada do sagrado pelo secular, é o momento em que o assunto ou o conteúdo de uma tradição cultural está sendo dominado ou alienado no ato da tradução”.

ROLAND BARTHES, crítico literário francês, que relê SAUSSURRE, constata que “o significado é a representação psíquica de uma coisa e não a coisa em si”.

RENÉ MAGRITTE, pintor belga do Surrealismo, relembra-nos, no célebre quadro “A traição das imagens”, que a pintura de um cachimbo não é o objeto cachimbo, não é a coisa em si: “Ceci n’est pas une pipe”.

Concordo, portanto, com o que a charge de CHICO CARUSO, publicada no jornal o “Globo”, no dia 15 de janeiro, reafirma sobre as relações entre a ARTE – dimensão em que a expressão deve ser libertária – e A REALIDADE EM SI:

(Analice Martins)