O título deste artigo encerra uma das inquietações que a recém terminada bienal do livro em Campos me trouxe, aliás, que todo evento em torno da leitura me traz. Fico observando, enquanto também percorro os estandes das livrarias, os cafés literários, os espaços destinados a crianças e adolescentes, se toda aquela movimentação traz o saldo feliz da leitura ou o convite a ela.
Há eventos com propostas diferentes, alguns com leitores já consolidados ou especializados. Mas há aqueles que me parecem se perder na espetacularização midiática sem introjetar o desejo e a crença de que a leitura possa, de fato, contribuir para formação de sujeitos críticos mais aptos à reflexão sobre a realidade pessoal e social que os circunda.
Esse tom um tanto quanto cético talvez venha da constatação óbvia da falta de articulação necessária entre organizadores e público-alvo. Se este for de jovens leitores potenciais, as estratégias que envolvem a preparação de evento tão alardeado e ansiado pela sociedade não deveriam ser apenas de âmbito logístico, mas sobretudo pedagógico: por que e como formar leitores?
Se a primeira questão parece ter uma resposta consensual, levando em consideração toda uma tradição humanística, a segunda tem sido um desafio. Ora, nesse sentido, qualquer evento em torno da leitura, já que a existência real de um livro só se concretiza no ato da leitura, deveria somar esforços e pensar projetos que a façam chegar à sala de aula efetivamente.
Agendar visitações, facilitar o transporte escolar, fornecer vales-compra para professores e alunos são iniciativas louváveis, mas que fatalmente naufragarão se não tivermos professores-leitores, bibliotecas dignas e, em especial, uma sincronização das atividades agendadas para as bienais do livro, quaisquer que sejam elas.
Sendo mais sincera ainda, há muito não participava de uma, sequer como mera espectadora. Não mais acreditei nelas na maioria das cidades. Passei a frequentar eventos menores, como a Primavera dos Livros no Rio e em São Paulo, pois me eram mais satisfatórios. Eu conseguia andar, manusear livros com calma, conversar com livreiros, com amigos, assistir com atenção às participações dos convidados.
Sei que esse depoimento pode soar estranho para uma professora de literatura como eu, cuja essência do que leciona depende de leitura sistemática e renovada. Mas saía desses eventos com um enorme cansaço e com a sensação de que para ler é preciso também de silêncio e contemplação. Rabugices à parte, jamais deixei de levar as programações para minhas turmas, divulgá-las, comentá-las, dizer da importância de oportunidades como essas, convidar amigos, aliciar colegas de trabalho. Algumas vezes, tive a sorte de estar lendo com meus alunos livros cujos autores estariam na programação.
Sei que uma bienal do livro não pode resolver problemas estruturais da educação como a triste estatística do baixo índice de leitura inclusive entre professores. Um professor que não é leitor jamais formará alunos leitores, apenas os afastará cada vez mais dessa prática. Uma escola desprovida de biblioteca é com uma casa sem paredes. Não se sustenta. Ora, como, então aproveitarmos eventos como esses que mobilizam milhões de reais e que colocam à disposição, durante o período de sua realização, uma fantástica fábrica de sonhos?
Se as programações são decididas com antecedência, homenageados escolhidos, nomes agendados, por que não investir no diálogo com as escolas? Por que não formar projetos de leitura específicos, orientar professores para escolha dos livros, também convidá-los à leitura antecipada? Por que não seduzir alunos para os encontros que se darão depois? Por que as escolas não podem receber, antecipadamente, exemplares dos livros cujos autores estarão na programação? É dessa falta de articulação que falo, dessa lamentosa lacuna.
A leitura não é “um bem” de consumo imediato. O livro até pode ser. A leitura é um processo. Há protocolos, rituais. A leitura é uma construção, às vezes lenta, exige preparação, alguma teimosia e sobretudo defensores, divulgadores, disseminadores. Recentemente, ouvi um especialista falando num telejornal da Rede Globo que não deveríamos recusar leitura alguma a uma criança. Leiamos o que ela nos pede. Fiquei intrigada. Ler mesmo aqueles livros que julgamos inadequados, pouco construtivos? Depois pensei que só lendo abundantemente é que uma criança pode discernir por conta própria “o que ler e para quê”.
Essas ideias me ocorreram porque, num dos dias em que fiz a mediação de uma mesa na 7ª Bienal de Campos, fiquei assustada, como há muito já não frequentava uma, com o número de crianças e adolescentes que transitavam conduzidos por algum professor ou a esmo como se num parque de diversões. Entendo que, para muitos, a estrutura de um evento desse porte pode se assemelhar a tal entretenimento. Mas entenderia melhor se percebesse, de fato, que lá estavam porque ler pode ser, além da mais eficiente estratégia de aprendizado, a “maior diversão”!
(Analice Martins)