A informação nos liberta. Sua sonegação nos coloca antolhos. Sociedades democráticas e de livre expressão lutam por ela. Sociedades cerceadas pelo estado e pelo militarismo padecem de sua ausência.
No século XXI, ela continua sendo um valioso capital, mas, por andar na velocidade da luz e na palma de nossas mãos, perdeu sua primazia entre nossas urgências e, sobretudo, espetacularizou-se. Como quase todo o resto, é consumida entre fofocas, coca-cola e pipoca. Perdeu a gravidade e a circunspecção. É muitas vezes acompanhada com a distração do entretenimento. Ainda que trágicas, são mais imagem do que realidade.
Tais afirmações podem parecer estranhas, espantando entusiastas da tecnologia “up to date” e jornalistas e emissoras de plantão, mais ávidos pelo furo do que pelo fato em si. Poucas, insisto, são as informações – entre as que nos chegam em cascata – capazes de congelar nossa hiperatividade de sentidos e nossas múltiplas demandas. Estamos sempre zapeando canais e redes, surfando sobre elas.
Replicá-las, compartilhá-las ou curti-las são mais atitudes instintivas do que reflexivas. Quase sempre não merecem uma linha sequer de nossos comentários, muito menos de nosso empenho crítico. Transformam-se, em nossas redes e perfis, apenas em números de postagens, não têm volume algum, vão-se sucedendo entre caras e bocas, não obedecem a nenhuma seleção ou hierarquia de critérios. Tanto faz a Faixa de Gaza ou o Ebola ou Anitta ou Fábio Porchat. Tudo passa pelos sites de notícias e pelas redes sociais. As informações acabam por ter uma dimensão horizontalizada e sintagmática. Não apresentam cortes, seções, enquadramentos. Falta-lhes um corte brechtiano, algo que as tire dessa platitude asséptica e amorfa, onde são apenas postagens e não matérias. Não nos paralisam os sentidos, não nos tiram da cadeira, não nos colocam de pé, não nos fazem gritar. Minto: fazem sim. Quantas vezes já interrompi o que estava fazendo para acolher um grito de urgência que me apontava na tela um macaco comendo banana. E daí?
A sociedade da informação em rede, como dizem os especialistas, é revolucionária, obra milagres, remove montanhas, encurta distâncias etc etc etc. É um fenômeno irreversível e contagiante. Esconder-se dela deve ser sintoma de alguma doença dos séculos passados para a qual não se encontrou ainda a cura e que deveria estar em estado de remissão. Temos, ao contrário, que estar cada vez mais imersos nela, sob pena de nos tornarmos alienígenas inclassificáveis.
Sei lá. Como alienígena que sou, usando essa primeira pessoal do plural e cinicamente me incluindo nesse diagnóstico, não sei se temos (agora o nós é de verdade!) conseguido de fato fazer aproveitar as benesses informacionais de que dispomos nos dias atuais. Pois vejamos:
No plano da pesquisa, 20 anos representaram a entrada em um universo digital e interligado de proporções jamais pensadas pelos “imigrantes digitais”, como eu. Se quisesse ter acesso a uma dissertação ou tese, tinha que me deslocar até as bibliotecas físicas onde se encontrassem. Isso era uma verdadeira travessia entre geografias. Havia também o correio e a boa vontade do bibliotecário, além dos custos disso. Até a arquivos microfilmados cheguei a recorrer. Para um estudante do final dos anos 90 no Brasil, isso é uma cena de ficção científica. Sequer dimensionam tais montanhas e fronteiras. Tudo está ao alcance dos olhos e dos dedos. A angústia não dura nem alguns minutos. Tudo está lá, ou melhor, aqui: notícias, entrevistas, ensaios, artigos, teses, livros. O que não está pode vir a estar sem muito esforço.
Esse encurtamento de distâncias me parece provocar uma reação adversa especialmente em jovens estudantes ou naqueles que, adultos, saltaram do analfabetismo para a cultura digital sem processar os abismos que os separam.
Não discuto a revolução dessa alteração paradigmática de aquisição de um capital informacional. Sou dele usuária e beneficiária. Mas me preocupo com o alarido estéril de que o acesso à informação seja acesso ao conhecimento. Enquanto opiniões, livros, teorias e resultados de pesquisas forem consumidos sem reflexão, sem debate, sem criticidade, não serão, para quem os lê, conhecimento propriamente. Serão ilustrações, tabelas, citações justapostas ou copiadas e coladas sem nenhuma construção cognoscente e, portanto, autoral. Localizar dados e textos é etapa obrigatória de estudos e pesquisas, mas o tropeço ingênuo é crer que a satisfação e o encantamento provocados por tais “achados” conduzam ao conhecimento.
Para que sejamos também uma sociedade do conhecimento, precisamos ensinar a ler, decifrar signos e símbolos, abstrair, selecionar, correlacionar, contextualizar e hierarquizar sim. Hierarquizar informações, saber quem produziu o que, quando, por que e em relação a que significa conhecer genealogias do pensamento, filiações e originalidade. Fora disso, tudo é réplica, blá-blá-blá, vozerio estéril.
Penso sempre que cabe prioritariamente à escola e a iniciativas educacionais promover o desejado pulo do gato. Sem tal discernimento crítico estaremos sempre soterrados pelas informações. Asfixiados e imobilizados.
(Analice Martins)